segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

O administrador infiel


E louvou aquele senhor ao injusto mordomo por haver procedido com sagacidade; porque os filhos deste mundo são mais sagazes para com a sua geração do que os filhos da luz. 
Eu vos digo ainda: Granjeai amigos por meio das riquezas da injustiça; para que, quando estas vos faltarem, vos recebam eles nos tabernáculos eternos. Lucas 16: 8,9.


Esta sempre foi para mim a parábola mais enigmática contada por Jesus. Já ouvi de tudo um pouco sobre o seu significado. Mas em todas as interpretações que ouvi, ou quase todas para ser mais justo, faltava uma perspectiva de eternidade, de significados espirituais inacessíveis sem a revelação de Deus, essencial para a compreensão dos ensinamentos de Jesus. Como no dizer de Paulo, apóstolo: "Ora, o homem natural não compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente. (I Coríntios 2:14)

Como imaginar Jesus dando tal conselho? Em outra tradução está dito: "... das riquezas de origem iníqua fazei amigos; para que, quando estas vos faltarem, tenhais quem vos receba nos tabernáculos eternos."

Para início de conversa, se tal conselho tivesse aplicabilidade em nossa vida terrena cotidiana, teríamos que considerar alguns aspectos das relações humanas que não nos faria esperar uma reação de causa e efeito tão cartesiana assim. 

Quem não tem formada a convicção de que amigos são de caráter facilmente voláteis, principalmente quando tais relações se apoiam em circunstâncias favoráveis. Quantos de nós já não nos sentimos desamparados, quando de uma hora para outra nos faltou a abundância que atraía uma multidão de amigos?! É por esta razão que a criatividade humana cunhou centenas de adágios populares para definir uma amizade, do tipo: "amigo é..."

Emblemática é a narrativa do Livro de Jó! Quando sobre ele sobreveio o infortúnio, a miséria, a dor, o sofrimento, que socorro obteve dos seus "melhores amigos", ou pelo menos dos amigos que restaram, pois só aqueles quatro amigos se apresentaram? Criamos até a expressão "amigos de Jó", para significar o equivalente tupiniquim "amigo da onça".

Continuando, se considerarmos como um conselho, também cartesiano, com implicações de eternidade, estará configurada a possibilidade de um atalho para os tabernáculos eternos no qual o caminho não seria Jesus, como Ele já afirmara: "Eu Sou o Caminho, A Verdade, e a Vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim".

Vou transcrever abaixo todo o pequeno texto da parábola, até para que os que não a conhecem possam acompanhar melhor:

"Jesus disse aos seus discípulos: "O administrador de um homem rico foi acusado de estar desperdiçando os seus bens.

Então ele o chamou e lhe perguntou: ‘Que é isso que estou ouvindo a seu respeito? Preste contas da sua administração, porque você não pode continuar sendo o administrador’.

"O administrador disse a si mesmo: ‘Meu senhor está me despedindo. Que farei? Para cavar não tenho força, e tenho vergonha de mendigar...
Já sei o que vou fazer para que, quando perder o meu emprego aqui, as pessoas me recebam em suas casas’.
"Então chamou cada um dos devedores do seu senhor. Perguntou ao primeiro: ‘Quanto você deve ao meu senhor? ’
‘Cem potes de azeite’, respondeu ele. "O administrador lhe disse: ‘Tome a sua conta, sente-se depressa e escreva cinqüenta’.
"A seguir ele perguntou ao segundo: ‘E você, quanto deve? ’ ‘Cem tonéis de trigo’, respondeu ele. "Ele lhe disse: ‘Tome a sua conta e escreva oitenta’.
"O senhor elogiou o administrador desonesto, porque agiu astutamente. Pois os filhos deste mundo são mais astutos no trato entre si do que os filhos da luz.
Por isso, eu lhes digo: usem a riqueza deste mundo ímpio para ganhar amigos, de forma que, quando ela acabar, estes os recebam nas moradas eternas.
"Quem é fiel no pouco, também é fiel no muito, e quem é desonesto no pouco, também é desonesto no muito.
Assim, se vocês não forem dignos de confiança em lidar com as riquezas deste mundo ímpio, quem lhes confiará as verdadeiras riquezas?
E se vocês não forem dignos de confiança em relação ao que é dos outros, quem lhes dará o que é de vocês?
"Nenhum servo pode servir a dois senhores; pois odiará a um e amará ao outro, ou se dedicará a um e desprezará ao outro. Vocês não podem servir a Deus e ao Dinheiro".
Os fariseus, que amavam o dinheiro, ouviam tudo isso e zombavam de Jesus.
Ele lhes disse: "Vocês são os que se justificam a si mesmos aos olhos dos homens, mas Deus conhece os corações de vocês. Aquilo que tem muito valor entre os homens é detestável aos olhos de Deus".
"A Lei e os Profetas profetizaram até João. Desse tempo em diante estão sendo pregadas as boas novas do Reino de Deus, e todos tentam forçar sua entrada nele.
É mais fácil o céu e a terra desaparecerem do que cair da Lei o menor traço. 

Lucas 16:1-17" - (Nova Versão Internacional).

E agora, pensei? Não tem jeito! Vou cair na esparrela de repetir os enganos interpretativos, patinar patinar e não sair do lugar. A não ser que deixe Jesus falar por si mesmo! Ele é a "palavra encarnada" (ei, maranhenses, encarnada aqui não é "vermelha"!).

Alguns aspectos culturais, e portanto, religiosos, da palestina à época , também ajudam a entender o que está dito. Também compreender a metodologia da pedagogia de Jesus, pode ser de grande valia.

Uma vez indagado sobre por que falava por parábolas, Sua resposta foi: "A vocês foi dado o mistério do Reino de Deus, mas aos que estão fora tudo é dito por parábolas, a fim de que, ‘ainda que vejam, não percebam, ainda que ouçam, não entendam; de outro modo, poderiam converter-se e ser perdoados! ’" . Marcos 4:11-12 ". (Nova Versão Internacional). Numa clara alusão de que a Revelação do Reino de Deus é uma atitude soberana do próprio Deus.

Por isso, não é sem razão que os fariseus que ouviam Jesus contar a parábola do administrador infiel, o ridicularizavam. A zombaria era justificável para eles porque não entenderam a lógica de Jesus. Não fazia sentido! Que historinha mais boba era essa, afinal? - Devem ter pensado.

Senão vejamos:

Um homem muito rico nomeia uma administrador para cuidar dos seus bens. Afinal, de que forma ele poderia usufruir das suas riquezas se tivesse que tomar conta ele mesmo de todos os seus negócios. Embora muitos prefiram estar mergulhados nos afazeres de suas empresas a tal ponto de negligenciar sua própria vida, família, filhos, esposa, etc. Como certamente seria essa a condição de muitos dos fariseus ali presentes, que como afirma o texto "amavam o dinheiro". Portanto seriam filhos da lógica: "o seu, zela o seu dono"; ou, "é o olho do dono que engorda a boiada".

O senhorio, então recebe a informação de que está sendo ludibriado em seus negócios. Resolve fazer uma auditoria, pedindo contas do trabalho do seu gerente.

O gerente, fica apavorado! Foi pego de calças curtas! Imagina você: meia-idade; passou a vida fazendo aquilo; só sabe fazer isso; não trabalhou em mais nada! Vai ter que começar tudo do zero? Como? Ninguém mais vai contratá-lo depois dessa, afinal foi pego com "a boca na botija". Quem vai lhe confiar a gerência de qualquer outro negócio? Que fazer, então? Ser lavrador (cavar a terra), ou qualquer outro trabalho braçal? Não tem mais idade nem saúde pra isso. Mendigo? Não, certamente! Ainda lhe resta alguma dignidade, ou esperteza.

Claro! Sendo inteligente como é, afinal é gerente de uma grande fortuna, tem que haver um jeito!. E há!

Chama, então, todos os clientes da empresa e inicia uma grande renegociação de contratos. Pois se o objetivo do patrão é o lucro, este vai estar garantido. E qual é o pulo do gato?

Bom! Você leitor certamente já passou pela situação de ir fazer uma compra qualquer e descobrir que os preços dos produtos sofrem alterações de acordo com a forma de pagamento, não? Pois, é. A placa diz: 30% OFF. Mas aí você descobre que isso é para o preço à vista. No cartão de crédito o preço é outro. Mesmo que tal prática seja ilegal, segundo no Código de Defesa do Consumidor, a prática é essa.

Naquele tempo não era diferente. Os judeus, por conseguinte os fariseus árduos defensores da Lei de Moisés, eram proibidos de cobrar juros. Qual o truque? Majorar os preços, que foi o que tinha feito antes aquele administrador infiel. Essa era prática comum como forma de ludibriar a Lei. Por isso Jesus vez por outra referia-se à hipocrisia dos fariseus mais preocupados com a performance exterior que com o verdadeiro significado da Lei.

Feito isto, agora o gerente "matou dois coelhos com uma cajadada só!". Ficou de boa, com a clientela, que pode saldar seus débitos com o senhorio por um preço justo; e caiu nas graças do senhorio, pois obteve os lucros necessários nas transações, sem qualquer prejuízo, obtendo assim elogios por sua conduta ousada (ou como em outras traduções: "ateve-se atiladamente"). O sujeito foi do inferno ao céu! De suspeito a empreendedor sagaz, atento aos movimentos do mercado (como diríamos hoje).

O quê os fariseus não perceberam, e por isso zombaram de Jesus, é que, longe de se tratar de uma apologia à esperteza, da qual afinal os fariseus eram experts, Jesus utilizou a parábola para mostrar que tantas vezes os "filhos deste mundo", os que não aceitaram ainda em suas vidas as verdades da Boa Nova, conseguem ser mais astutos no trato com seus pares, que os "filhos da luz", ou seja, aqueles que introjetaram as verdades da Boa Nova em suas vidas, e por isso mesmo deveriam frutificar estas verdades em suas vidas, em especial na questão das riquezas, pois a avareza compete diretamente com a verdade revelada de Deus ao nível de uma potestade. Por isso Jesus afirmar ao final da parábola: 

"Nenhum servo pode servir a dois senhores; pois odiará a um e amará ao outro, ou se dedicará a um e desprezará ao outro. Vocês não podem servir a Deus e ao Dinheiro (ou Mamom)".

Uma outra revelação de Jesus, ainda mais contundente nesta parábola, dá conta de que as riquezas deste mundo são todas de origem iníqua. Como? Agora você pegou pesado! Deve estar variando, você pensou, não?!

Pois bem. A lógica da pedagogia utilizada por Jesus está em revelar verdades espirituais utilizando-se de construções simples do dia-a-dia, de forma que as pessoas simples, desarmadas, ou como ele mesmo disse "os pobres de espírito", pudessem, pela Graça de Deus, se aperceber e apreender tais ensinamentos. e serem por isso bem-aventuradas.

Ocorreu-me, então, que quando criança, lá na velha e provinciana São Luís dos anos 70 do século passado, costumava frequentar com outros amiguinhos da rua onde morávamos a Escola Bíblica de Férias.

Criança pobre, como os outros coleguinhas, não tínhamos aonde ir nas férias, senão ficar na rua, jogando bola, brincado de xuxo, pega-pega, e tal e tal. Assim, a chamada EBF era uma distração. Ambiente descontraído; cheio de crianças nas dependências da igreja; brincávamos, pintávamos, recortávamos figurinhas bíblicas para o flanelógrafo (nosso data-show da época); cantávamos; e ouvíamos, de forma lúdica, aquelas histórinhas de um lugar tão distante que nem cabia em nossas cabecinhas, uma tal de palestina, onde Jesus andou e ensinava suas parábolas.

Nossas professoras Miriam, Áurea, Elcinete, e outras, perguntavam, e respondíamos à uma só voz: O quê é uma parábola? Resposta em côro: "É uma história terrestre com significação celeste!" Bingo! Deve ser por isso que Jesus disse que quem não se tornasse como uma criança não poderia entrar no Reino de Deus!

Então, buscando discernir a significação celeste que Jesus imprimiu nesta parábolas, constatamos o fato de que Ele contava duas histórias em uma, ao mesmo tempo, quais sejam:

Uma, diz respeito a como "os filhos deste mundo" conseguem passar a vida toda sob o engano da busca pelas riquezas materiais, ludibriando uns aos outros, e fazendo a média necessárias com tantos outros para seguir se dando bem na vida!

Ora, nós vemos isso todos os dias. Às vezes até nos perguntamos; pôxa, como que esse cara consegue que tudo dê certo pra ele; por muito menos eu já estaria preso. E tantas outras coisas poderíamos enquadrar aqui que assistimos todos os dias à nossa volta.

A outra, como já disse antes, dá conta, em primeiro lugar, da constatação por Jesus, que pode nos chocar, de que as riquezas deste mundo são de origem iníqua. E aí você pode estar se perguntando? Como assim? Ora, ninguém se iluda: para que eu acumule, alguém tem que perder!  Tudo o que eu ganho, por mais honesto que possa parecer; por mais árduo que seja o meu trabalho; será sempre uma forma de tirar de alguém para mim mesmo. E quando isso, o meu trabalho, resulta em acúmulo de riquezas, pode estar certo, muita gente perdeu, sofreu, padeceu, suou, para que eu acumulasse. É só fazer uma exame de consciência.

Mesmo que você seja um funcionário público, bem ou mal pago, seu salário é pago pelo suor de milhares que ralam dia-a-dia. Por isso, e por outras razões da época, os publicanos (funcionários públicos) eram tão odiados pelo povo no tempo de Jesus.

Você poderia pensar: bom... Jó era um homem muito rico, e tido como justo e temente a Deus! Verdade! Porém lhe digo que Jó não era justo em si mesmo, mas justificado por Deus. Lá no livro de Jó está dito como Jó oferecia continuamente holocaustos a Deus, por si e por seus filhos também, porque dizia: "pode ser que eles, ao se reunirem em suas casas, para suas festas, venham a pecar contra Deus". Assim, a visão messiânica de Cristo, representada nos sacrifícios de holocaustos oferecidos a Deus por Jó, o justificavam perante Deus.

Em segundo lugar, Jesus explicita que as riquezas (agora sabemos que todas são de origem iníqua), não nos pertence. Mesmo que voce seja daqueles que põe um adesivo na traseira do seu corsinha ou vectra, do tipo, "dado por Deus", esteja certo de uma coisa: voce agora pode dar graças à Deus por poder contribuir de forma direta com o aquecimento global, e beneficiar-se de toda a iniquidade perpetrada pela industria do petróleo. A verdadeira riqueza, a pura riqueza, só será conferida na eternidade. E aqui Ele lança o desafio aos que são seus:

Por isso, eu lhes digo: usem a riqueza deste mundo ímpio para ganhar amigos, de forma que, quando ela acabar, estes os recebam nas moradas eternas.

"Quem é fiel no pouco, também é fiel no muito, e quem é desonesto no pouco, também é desonesto no muito.

Assim, se vocês não forem dignos de confiança em lidar com as riquezas deste mundo ímpio, quem lhes confiará as verdadeiras riquezas?

Então, fica claro, que longe de mostrar um atalho para os tabernáculos eternos através de "boas obras", Jesus está mostrando que as riquezas, o dinheiro, deve servir a propósitos nobres, mesmo que, como vimos, ele seja sempre de origem iníqua. Jesus inverte o paradigma: não se deve estar a serviço do dinheiro, mas o dinheiro deve estar a nosso serviço para o bem dos outros. "Porque somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou de antemão para que andássemos nelas." (Carta de Paulo aos Efésios, 2: 10).

Assim, quando as riquezas desde mundo acabarem finalmente, ou seja, quando morrermos, nos confraternizaremos nos tabernáculos eternos com todos aqueles a quem socorremos em suas necessidades durante esta vida.

Por isso ainda, a advertência de Jesus no evangelho segundo São Mateus:




"Não ajunteis para vós tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem corroem e onde ladrões escavam e roubam mas ajuntai para vós tesouros no céu, onde nem traça nem ferrugem corroem e onde ladrões não minam nem roubam: Para onde está o teu tesouro, aí estará o seu coração também. (Mateus 6:19-21)

Para concluir, fico com as palavras de Jesus para seus ouvintes fariseus que zombavam dEle:

Ele lhes disse: "Vocês são os que se justificam a si mesmos aos olhos dos homens, mas Deus conhece os corações de vocês. Aquilo que tem muito valor entre os homens é detestável aos olhos de Deus".
"A Lei e os Profetas profetizaram até João. Desse tempo em diante estão sendo pregadas as boas novas do Reino de Deus, e todos tentam forçar sua entrada nele.

É mais fácil o céu e a terra desaparecerem do que cair da Lei o menor traço. 

Parece contraditório Jesus afirmar que a Lei e os Profetas profetizaram até João Batista, mas agora vigora as boas novas do Reino de Deus, e em seguida dizer que é mais fácil desaparecerem o céu e terra que cair um só til da Lei de Deus.

Não há qualquer contradição! Pois na afirmação anterior Jesus diz que Deus conhece os corações dos homens para além do que aparentam exteriormente e suas performances de santidade. A Lei foi totalmente cumprida em Cristo, e quem se esforçar pela porta estreita que Jesus apresenta em todo o evangelho, tem acesso à esse Reino.

Só Deus conhece o coração dos homens. 

Porque o SENHOR conhece o caminho dos justos; porém o caminho dos ímpios perecerá. (Salmos 1:6).
Há um caminho que parece direito ao homem, mas o seu fim são os caminhos da morte. (Provérbios 16:15).

Este texto é o resultado do esboço de uma mensagem que preparei. Como não frequento nenhuma igreja, não terei oportunidade de proferi-la. Assim, fica aqui o registro, sabendo eu que Deus pode tudo!

Que Deus abençoe a todos!


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