sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

O pobre homem rico

Por volta do ano 70 da era cristã vivia em Jerusalém um homem muito rico. De origem nobre, tinha orgulho de pertencer a uma elite que se dizia "abençoada por D'us". Seu nome era Ygail Ben Zamir.

Seu pai, fora um homem de muitas posses. Estas incluíam esplêndidos vinhedos e olivais na região da Galileia, de onde obtinha grandes lucros com o comércio destes produtos junto às caravanas que faziam de Nazaré o ponto de encontro da rota entre Jerusalém e Damasco.

O vinho e o azeite de excelente qualidade, rendia ainda mais que o normal, pois com inteligência, perspicácia, e influência política, este era em boa parte trocado pelo olíbano, valioso incenso trazido pelas caravanas de regiões distantes, e utilizado em profusão nos rituais religiosos no Templo em Jerusalém. A família, assim, detinha o monopólio de um produto essencial, em torno do qual girava a vida religiosa de toda a Judeia e Samaria.

O velho patriarca da família consolidou uma posição invejável na vida política e religiosa do país, com livre trânsito entre o Sinédrio, a côrte de Herodes Antipas, o Tetrarca da Galiléia.

Após sua morte, seu filho Ygail Ben Zamir consolidou o seu legado, superando em muito a habilidade do pai para os negócios e influência na sociedade.

Em sua juventude, Ygail fora um jovem aplicado nos estudos e nos ensinamentos da Torá. Cumpriu todos os rituais exigidos pela lei com rigor ascético. Costumava ser generoso com os pobres, sendo por isso também muito respeitado. Era um bom homem, embora rico e poderoso.

Ygail teve três filhos: Reuben, Saadyah e Yesher; e quatro filhas: Alitzah, Batya, Chaya e Hadassah.

Era uma família feliz e próspera, embora a aparente tranquilidade conquistada  pelo poder e riqueza já mostrasse sinais de que a vida sob domínio romano, afinal, não ia tão bem.

A crescente tensão de revoltosos, principalmente os conhecidos como Zelotes, inspiravam maiores cuidados e vigilância constante, principalmente daqueles que como Ygail tinham acesso às diversas esferas do poder. A vida tornara-se, como se diria hoje em dia, num arriscado e complexo "jogo de xadrez".

Tinha ele em torno de 55 anos de idade quando irrompeu o que veio a ser chamada de "A Primeira Guerra Judáico-Romana". A vida tornou-se difícil para todos. Por todo o país podia-se ver milhares de cruzes fincadas à beira da estradas, expondo cadáveres putrefatos e moribundos em agonia final.

Toda a riqueza acumulada ao longo de gerações pela família de Ygail Ben Zamir, e todo o prestígio que gozava até entre os governantes romanos, não foram suficientes para poupá-los do sofrimento. Mesmo tendo uma posição privilegiada, Ygail e sua família, como bons judeus, sempre nutriram, mesmo que secretamente, a esperança de verem sua nação livre do jugo romano.

Os romanos, logo perceberam que aquela família abastada e bem relacionada, de há muito já nutria simpatia com os revoltosos, e não tardaram a descobrir as "ligações perigosas" que estes mantinham com o partido zelote.

Sendo fato ou pretexto, o certo é que as autoridades romanas tornaram a vida de Ygail e sua famíla insuportável. A princípio, mantendo-os sob vigilância acirrada; depois decretando prisão domiciliar; e posteriormente, destituindo-os de todos os seus bens e propriedades. Assim, em menos de quatro anos, a rica família de ascendência milenar, fora reduzida a quase nada.

Mas o pior ainda estava por vir. Jerusalém estava agora sitiada. A fome e o desespero assolavam seus habitantes, que podiam ver centenas de compatriotas crucificados nas muralhas da cidade.

No Ano 70 da era cristã, as legiões comandada pelo General Tito, filho do imperador Vespasiano romperam em definitivo as muralhas de Jerusalém, capturando a Fortaleza Antônia, e finalmente destruindo o Templo de Jerusalém.

Uma das filhas de Ygail morreu de fome durante o cerco à Cidade Santa. As outras três filhas foram enviadas à Roma como escravas e seus destinos se perderam na história. Os três filhos de Ygail Ben Zamir foram crucificados no Monte das Oliveiras junto com centenas de compatriotas.

Ygail Ben Zamir teve a vida poupada. Não por qualquer exercício de misericórdia romana, mas para que padecesse de um destino mais cruel ainda e servisse de exemplo. Já enfraquecido pelos anos de sofrimento durante o cerco à cidade; carcomido pela tristeza e agonia de assistir ao espetáculo dantesco de ver seus filhos sacrificados e as filhas ainda vivas serem levadas acorrentadas à Roma; Ygail foi levado como escravo para morrer nas pedreiras da Galiléia.

No caminho, viu a destruição do seu amado país; as cruzes fincadas aos milhares; a festa dos corvos e dos cães famintos sobre os cadáveres abandonados à esmo. Já não tinha lágrimas. Apenas sua alma chorava!

Foram dias terríveis de dôr, fome, insolação, humilhação, açoites e trabalho pesado naquela paisagem árida. As lembranças dos vinhedos e olivais eram apenas uma névoa nas suas lembranças. A fé no seu D'us ainda latejava forte nas suas orações: "Shemá Yisrael, Adonai Eloheinu, Adonai Echad".

Os dias cada vez mais longos se passaram. Até que um dia, um dia daqueles que faz a gente pressentir que será nosso último dia sobre a terra, estava ele estirado sem forças em um canto qualquer de uma gruta encravada na encosta, quando ouviu uma voz arrastada e ofegante entrar e dizer: "Shalom Aleichem!". Tentou devolver o cumprimento tão familiar, mas não teve forças para isso. De um modo estranho sentiu-se reconfortado! Aproximando-se dele um homem com mais ou menos a sua idade, arrastando uma corrente entre os tornozelos, serviu-lhe um pouco d'água que sorveu sofregamente.

O homem olhou-o com ternura e disse: - Ygail, que bom encontrá-lo! Não, não se espante de conhecê-lo. Já o vi algumas vezes antes. Sei quem és! Sua família era bem conhecida em Jerusalém, e também aqui na Galileia onde tinha propriedades.

- Eu sou dessa região mesmo. Meu pai era grego, e minha mãe judia. Tu bem sabes que isso é um tanto comum aqui no norte. Meu nome é Cléopas. Sei que estamos numa situação sem saída. Escravos para sempre! E não vamos durar muito tempo mesmo! Mas sempre há tempo para fazermos as escolhas certas em nossa vida pessoal. Deus não abandona aqueles a quem ama!

Ygail então falou quase num sussuro: - Invejo a tua esperança! Não que tenha perdido a minha fé e abandonado meu D'us, mas vejo que falas de modo diferente. Que tipo de fé tens afinal para estar tão tranquilo nessa situação em que estamos?

- Não! Não que esteja tranquilo. Sofro como qualquer outro aqui. Mas tenho uma esperança eterna que não pode ser encoberta por essa situação de trevas que vivemos. - respondeu Cléopas.

- Esperança eterna?! - exclamou Ygail. És seguidor de alguma seita?! 

- Não! - continuou Cléopas. - Sigo a fé do nosso Pai Avraham. A mesma do Rei David. Só que pude compreender a Verdade quando fui confrontado com ela há muito tempo atrás. 

- Como assim? - retrucou Ygail.

- Bom. Vou explicar! Sigo o Caminho que nos ensinou o Messias Yeshua Ben Youssef! Talvez te lembres! Ele foi crucificado faz quase trinta anos. Teu pai era muito influente no Sinédrio, e pode ser que tenha te contado como as coisas aconteceram na época. - falou Cléopas pausadamente.

- Ah! Sim! Falas daquele rabino de Nazaré que se proclamou o Ungido de D'us. Então és seguidor daquela seita do Nazareno! - Exclamou um tanto perplexo Ygail.

- Não, amigo. - respondeu Cléopas. - Não é seita! É a nossa verdadeira fé! Só que não foi compreendida pela maioria do povo, e o Sinédrio, por temer o poder romano, acusou nosso Messias de blasfêmia, levando à morte na cruz!

- Faz tanto tempo! - esforçou-se Ygail puxando fios de sua memória cansada. - Não foi Ele quem disse que era o Filho de D'us? E por isso o Sinédrio o acusou de blasfêmia?

- Sim! Ele disse. Sim. Ele é o Filho de Deus! - respondeu Cléopas.

- Como "é" o Filho de Deus? Ele não morreu crucificado - esforçou-se Ygail para entender lógica dessa afirmação.

- Sim! Ele é de fato o Filho de Deus - continuou Cléopas. - Na época, não entendíamos direito isso, mas algo nÊle nos fazia crer que era assim mesmo. Muitas vezes Ele nos avisou que era necessário que Ele morresse e ressuscitasse. O que de fato aconteceu. No terceiro dia após sua morte Ele ressuscitou, e por quarenta dias apareceu aos seus seguidores. Um deles, chamado Tomé, até tocou nas sua chagas deixadas pelo pregos com que o pregaram na cruz!

- Bom! Para ressuscitar dos mortos só sendo o Filho de D'us mesmo! - Assentiu Ygail meneando a cabeça. - É uma história muito louca e carece de provas. Tem mais: com quê argumento falas que essa é a nossa verdadeira fé? Será que o Sinédrio não saberia se fosse verdade?

- O Sinédrio sabia, caro amigo - retrucou Cléopas. - Por isso resolveu deliberadamente matá-lo. Confessar publicamente que o nazareno era o Cristo de Deus representava uma ruptura que eles do Sinédrio não poderiam suportar por causa de suas ambições pessoais, do sistema religioso estabelecido, da ordem das coisas, entende? Precisavas ver quando muito dos fariseus viram quando o Mestre ressuscitou dos mortos a Seu amigo Lázaro que já estava morto havia quatro dias. Ouvimos os seus cochichos: diziam entre si que aquele fora um sinal definitivo ao qual não poderiam negar, e então resolveram matá-lo.


- Sim, Ygail, Ele é o Cristo prometido de Deus. - Continuou Cléopas. - Na língua grega o chamamos assim, quer dizer, o Ungido. Nosso Pai Avraham já possuía essa Revelação Divina. Quando estava para sacrificar seu filho Yitzhak, foi impedido pelo SENHOR e ouviu dÊle a promessa de que como não negou seu único filho, ele seria abençoado, e sua descendência seria incontável com as estrelas e como os grãos de areia, e nele, Avraham, seriam abençoadas todas as nações da Terra. Tu bem sabes disso, não é mesmo? 


- O que te ficou encoberto, caro amigo, - continuou Cléopas -  é que a benção de Avraham se estende a todas a nações da Terra, não porque a Nação de Yisrael terá o domínio do mundo. A promessa, de fato, é que, em Avraham, qualquer pessoa da Terra é abençoada com a fé em Deus. Todos podem ser feitos filhos de Avraham pela fé, e todos podem alcançar a Salvação Eterna!

- Lembras o que escreveu o Rei David em seus Salmos? - continuou. - Ele escreveu: "E disse o SENHOR ao meu SENHOR, assenta-te à minha direita até que ponha teus inimigo por escabelo dos Teus pés". David já havia entendido por revelação divina a visão messiânica que agora se cumpriu em Yeshua. O SENHOR assentado à direita do SENHOR, é o Cristo de Deus, Seu Filho Ungido.


Ygail, já sem forças, sentia seu peito aquecer com aquelas palavras. Ficou em silêncio por muito tempo remoendo aquelas inquietações que lhe corroíam a mente. Cléopas também calou-se; apenas murmurava baixinho consigo mesmo. Vez em quando ouvia um soluço  baixinho vindo do seu amigo.


Depois de um tempo, Cléopas falou: - Ygail! Lembras agora?! Eu te vi certa vez quando eras ainda bem moço. Eu estava lá quando te vi conversando com o Rabi Yeshua Ben Youssef. Lembras?!


Ygail irrompeu ao prantos, soluçando...


Lembro! - disse. Agora lembro!


E continuou: 


- Durante anos sufoquei essa lembrança! No início tentava esquecer o olhar do Rabi e não conseguia. Com o tempo consegui bloquear isso da memória, e depois de tantos anos agora tudo me voltou à lembrança.


Ygail então lembrou-se daqueles anos dourados em que viajava constantemente com seu pai pelo país visitando as propriedades; fazendo negócios; coletando a renda da produção e do comércio; aprendendo o ofício de administrar as riqueza da família.


Lembrou-se do cheiro dos olivais; do aroma dos vinhos que amadureciam nas adegas encravadas nas rochas; dos banhos nos remansos do Jordão; do tempo em que o mundo lhe parecia a perfeita criação de D'us.


Lembrou-se também que de vez em quando via uma multidão assentada na relva ouvido um jovem rapaz, que devia ter no máximo uns trinta anos. Lembra do que dizia desse rapaz: que ele curava os doentes; devolvia a vista aos cegos; fazia andar aos coxos e aleijados; e até ouviu uma história que ele tinha ressuscitando o filho único de uma viúva bem pobrezinha lá pras bandas de Cafarnaum.


Lembrou-se de um dia em especial em que estava descansando debaixo de uma figueira enquanto seu pai cuidava de negócios, e viu o Rabi Galileu passar bem perto e olhar para ele.


Lembrou-se que depois de um tempo, aproximou-se de onde estavam aquelas pessoas em volta do Rabi, e sentiu um ímpeto de ir conversar com ele. Ficou um tempo ali parado, como que criando coragem. Então decidido, chegou mais perto, e como chamasse a atenção, pois estava ricamente vestido no meio daquele gente tão simples, as pessoas se afastaram com cautela lhe dando passagem.


Imaginou que precisava ter uma pergunta bem objetiva a fazer, afinal era um rapaz bem instruído. Então, como que se lhe soltasse a língua de repente, se viu perguntando:


- Bom Mestre! Que farei para herdar a vida eterna? - a pergunta saiu de chofre.


- Por que me chamas Bom? - respondeu Yeshua.- Só Deus é bom! - Continuou.


Ygail lembrou-se que sentira um tremor como que no fundo do coração. Lembrou-se que pensou: "Ele está me relativizando... como se minhas certezas não tivessem nada de absolutas. Talvez esteja querendo me dizer que se o acho Bom, e Bom só Deus é, é porque o reconheço como Filho de Deus. Ele traçou uma linha, certamente".


Sabes o mandamentos? - continuou o Rabino.- Não matarás; não adulterarás; não furtarás; não dirás falso testemunho contra o teu próximo; honra o teu pai e a tua mãe; e amarás o teu próximo como a ti mesmo?


- Ah!... Agora Ele falou minha língua - pensou consigo mesmo.


- Claro, Rabi! - respondeu. - Tudo isso tenho observado desde a minha mocidade!


Ygail lembrou-se de como naquele momento a sua mente rapidamente percorreu toda sua trajetória.  E de como se sentia orgulhoso de ser uma pessoa bem quista, tida como correta e honesta em suas relações pessoais e comerciais; de como sempre acompanhará seu pai nos rituais do Templo em Jerusalém; e como participava dos trabalhos nas sinagogas quando em viajem pelo interior; de como ele e o pai ajudavam os necessitados; dizimavam os produtos de suas vinhais e olivais; e de como guardavam religiosamente o Shabat


Aí viu como o Rabi olhou ternamente para ele com um olhar profundo, e proferiu aquelas palavras que o deixariam perturbado por muitos anos.


- Então! - disse o Rabi. - Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens, dá aos pobres, e depois vem, e segue-me!


Ygail lembrou-se de como ficou estarrecido com aquelas palavras. Não esperava por isso. Fora até ali com a intenção de conhecer de perto o Rabi Yeshua de quem tanto ouvira falar, e ele mesmo já tinha presenciado alguns dos seus milagres. Não! Por quê? Não era suficiente ser o rapaz tão bom que ele achava ser?!


- "Como vou chegar junto do meu pai e dizer: pai quero a parte que me cabe na tua herança, porque vou vendê-la, dar tudo aos pobres, e vou seguir o Rabi Yeshua Ben Youssef, porque Ele é o Messias Prometido, O Filho de D'us. Como?"


Sem mais perguntar nada; implodindo dentro de si mesmo; e com uma tristeza que nunca sentira antes; Ygail lembrou-se de que se retirou devagarinho, como se tateasse uma caminho oculto que lhe tirasse dali.


Ainda remoía-se naquelas lembranças, quando ouviu de novo a voz de Cléopas ao seu lado. Sentindo-se como se acordasse de um transe, soluçou baixinho e fitou os olhos no companheiro que falava.


- Ygail. -  disse Cléopas. - Sei que foi um longo caminho até aqui. Mas deixa eu te dizer mais umas coisas. Depois que saístes triste aquele dia, o Mestre comentou também com uma profunda melancolia em Sua voz. Ele disse:


- Quão difícil é para um rico entrar no Reino dos Céus! É mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que isso acontecer.


- Ficamos todos atônitos e então um dos nossos perguntou: "Quem Senhor, pode então ser salvo?"


- O Mestre olhou fixamente nos nossos olhos e falou de um jeito bem direto:


- Aos homens isso é impossível, mas a Deus tudo é possível.


Para nós, aquilo também foi um choque. - continuou Cléopas. - Depois de um tempo, em outra ocasião, o Rabi olhando para nós todos, perguntou assim de repente:


- Quem dizem os homens que eu Sou? Ao que uns disseram: que tu és Elias; e outros, que és João Batista; ou que és algum dos profetas. Ele, então, rebatendo, falou: E vós, quem dizeis que sou?


- E aí, Cefas, um dos nossos disse: Tu és o Cristo, o Filho do Deus Vivo.


- Então o Mestre, fitando à Cefas, disse: Bem-aventurado és, porque não foi nem carne nem sangue que te revelou isso, mas o meu Pai que está nos céus!


Pudemos, então, entender - continuou Cléopas - que de fato nenhum homem por si só; seja por seu intelecto; por sua herança cultural; ou sabedoria própria, é capaz de compreender e aceitar que o Cristo é o Filho de Deus.


- É! - falou Ygail. -  Agora eu entendo. Segui sempre os ensinamentos da religião. Procurava fazer tudo direitinho. Sempre fui muito atento ao estudo da Torá. E nunca compreendi que o Cristo de Deus, Yeshua Ben Youssef, era o cumprimento de todas as profecias.


- Fico pensando agora como teria sido diferente se naquela época eu tivesse seguindo a sua ordem de vender tudo, dar os meus bens aos pobres, e segui-lo. Talvez, ou é mesmo certo, Ele soubesse de tudo o que iria acontecer comigo. Talvez, se tivesse Lhe seguido, eu não estivesse aqui, nessa situação de morte, sofrimento e humilhação.


Ygail - interrompeu gentilmente Cléopas. - Conheci outras pessoas que estiveram em boa situação e depois, por uma tragédia qualquer, doenças, acidentes, etc, se sentiram assim como estás te sentindo. Não adianta ficar remoendo o passado e retroalimentando sentimentos de culpa e frustração. Ninguem, senão Deus, é capaz de saber como teria sido assim e assim.


- O importante agora é o que tu vais fazer neste momento. Na minha língua, o grego, temos uma palavra: "metanoia". Voces traduziriam mais ou menos como "arrependimento". Significa, literalmente, "mudança de mente".



- O que precisas agora, é, percebendo que vivestes todo esse tempo sob o engano da religião; e que o Cristo Yeshua é realmente o Ungido da Promessa; o que tens a fazer é buscar de todo o coração a metanoia, e aceitar em tua vida a Boa Nova da Salvação Eterna.


Enquanto Cléopas ainda falava, entrou de repente no recinto, um soldado romano segurando um archote numa das mãos, e iluminando languidamente o ambiente.


Ygail assustou-se tentando endireitar-se sentado ao chão. Mas Cléopas o tranquilizou dizendo:


- Calma, amigo. Este é Fídio Juvencius. Ele é romano, sim. Mas é um dos nossos, um dos seguidores do Caminho. O Caminho do Ungido de Deus.


- Foi graças à ele que eu pude entrar aqui para te ver, e assim trazer-te um pouco de consolo.


Ygail, olhando atentamente para o soldado romano, imaginou como estaria suas filhas feitas escravas e levadas à Roma. Viu em sua mente seus três amados filhos crucificados no Monte das Oliveiras. Não sabia o que sentia ao certo. Mas não era ódio. Afinal aquele soldado romano era um seguidor do Cristo Yeshua. Logo ele, que sequer era um filho de Avraham.


Ai lembrou-se da benção de Deus ao Avraham: "Em ti serão benditas todas as nações da Terra". Então era verdade! No Cristo se cumpria as Promessas das Escrituras.


Neste momento, sentindo que já não tinha forças para continuar vivendo, tocou a mão de Fídio Juvencius, puxou-o para perto de si, e olhando de lado para Cléopas, balbuciou: meus irmãos, era eu era cego, mas agora vejo. Obrigado Yeshua!


Levantou pela última vez os olhos. Fitou o teto da caverna bruxuleado pela luz do archote nas mão de Fídio, e falou com um leve sorriso no rosto:


"Baruch Adonai ki shemá a-khol tachanunai"
"Bendito o Senhor que ouve todas as nossas súplicas"


Ygail já não estava ali. Seus amigos o sepultaram numa pequena gruta encravada na montanha.









Um comentário:

  1. Excelente abordagem histórica,geográfica,teológica e religiosa. Parabéns, Tio Moa!

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