quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

"Navigare necesse; vivere non est necesse"
Pompeu, general romano


Aqui e ali tenho visto interpretações as mais diversas para o famoso e antigo ditado de navegadores, sobre o qual Fernando Pessoa exerce sua maestria poética.

Uma das últimas interpretações que ouvi partiu de meu irmão Faustino Júnior ao comentar uma palestra que havia assistindo onde o palestrante aventou que o adjetivo "preciso" referia-se a "precisão" e não a "necessidade". Confesso que achei esquisito! Seria então que para navegar tem que se ter precisão e para viver não?


Não deixa de ser tentador imaginar que, quanto à vida, basta viver à-toa (gíria marítima para uma embarcação que está à reboque de outra). Seria apostar na máxima do "vou vivendo essa vida do jeito que ela me levar", e também como consequência acreditar que "o acaso vai me proteger enquanto eu andar distraído", o que, por sinal não é sem razão que a música dos Titãs se chame "Epitáfio".

Pessoa, ao menos pede emprestada a citação de Pompeu com a dignidade poética que lhe é própria, transformando-a para:

"A forma para a casar com o que eu sou: Viver não 
É necessário; o que é necessário é criar. "

O general romano Pompeu, se seu original criador não sei, cunhou a frase para "motivar" (eufemismo para "forçar") seus soldados de marinha a seguirem para a batalha. De uma rica família de origem rural, mas sem prestígio nas classes patrícias romanas, Pompeu pautou sua meteórica carreira política pela sua destreza e habilidade como general.


Na frase por ele cunhada, é clara a visão de que a autoridade do Estado, a quem ele aqui representa, está acima das vidas e interesses pessoais do homem comum. Alguma novidade nisso?


Outro navegador importante se utilizou desta citação em situação semelhante nos primórdios da navegação transoceânica. Gil Eanes, depois de longo tempo no mar, na tentativa de cruzar o temido Cabo Bojador, na costa atlântica da África, tendo retornado ao ponto de origem sem alcançar sucesso em sua empreitada, foi intimado pelo Infante Dom Henrique, mentor e criador da Escola de Sagres, a lançar-se novamente ao mar com uma nova embarcação projetada para cruzar o temido cabo.


Após tanto tempo no mar, e visto ser forçado a retornar novamente ao tenebroso "Cabo do Medo", desdenhou de sua própria sorte, lamentando: "Navegar é preciso; viver não é preciso!"


Ah!... Dessa vez ele conseguiu, ao utilizar-se de uma manobra de lançar-se em direção leste, rumo ao oceano desconhecido, e só depois de navegar um certo tempo, retomar o rumo sul, contornando assim o Bojador. E graças a essa manobra, tempos depois Cabral se perdeu numa calmaria, e veio dar na costa que seria o Brasil.


Controvérsias à parte sobre Cabral se perder, que não é objetivo deste post, fato é que graças a Gil Eanes, e à autoridade e convicção de D. Henrique, as navegações ultramarinas portuguesas deslancharam. Deu no que deu!


A vida de fato é imprecisa: não vem com manual de instruções. Mas há roteiros a seguir: a cultura de cada povo, as tradições familiares, etc. Caminhos previamente definidos por quem veio antes de nós. Uns seguem o roteiro; outros não. Mas, num caso ou no outro há imprevistos. A vida é imponderável, até para os que fazem tudo certinho.


Navegar também! Instrumentos e tecnologias à parte, ainda é uma pessoa quem conduz a embarcação. Por isso sempre haverá naufrágios.


Mesmo que a pessoa seja para o Pessoa, que escolheu para si o viver navegando, no sentindo que ele escolheu dar ao termo; mesmo que seja para um soldado romano, que não podia escolher sentido algum, senão obedecer; mesmo que seja para o Gil Eanes, navegador experiente, mas com uma margem estreita de opções; a vida sempre será a maior das aventuras!


O danado não é viver! O danado é morrer!
Mas isso é assunto para outro post.



2 comentários:

  1. Ainda permaneci em dúvida quanto ao sentido do termo. Se for no sentido de necessário, para mim fica contraditório, pois viver é necessário (no sentido filosófico do termo, algo que não pode deixar de ser, oposto a contingente). Não podemos deixar de viver. Se for no sentido de exatidão, nem vida nem navegação são exatas.

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  2. Penso que no caso do navegador Gil Eanes, foi uma lamentação ou protesto ao fato de ter que cumprir a ordem de voltar ao mar depois de um ano fora de casa. Navegar tornou-se uma obrigação uma obsessão para o programa de navegação marítima portuguesa em detrimento das vidas pessoais dos navegadores.
    Já Pessoa, reinterpreta para si como dando sentindo à existência o navegar, ou criar. Viver simplesmente não seria vida sem realizações.

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